GABRIELA DE CRAVO E CANELA
Conheci Gabriela através da novela das 10 da noite da Globo. E virei um noveleiro convicto, assistindo os mais de 100 emocionantes capítulos, de 50 minutos cada, levados ao ar em 1975.
A trama se passa em Ilhéus, sul da Bahia, na década de 20, numa terra onde imperam os padrões arcaicos da sociedade patriarcal e autoritária dos antigos coronéis e de alguns doutores. Em contraponto afloram os ímpetos modernistas de jovens que desejam mudanças sociais, políticas e econômicas para a região.
Fugindo de devastadora seca no Nordeste, a retirante Gabriela chega em Ilhéus, que está em plena expansão, graças ao plantio e comércio do cacau. Arruma trabalho, como cozinheira, na casa do “turco” Nacib.
Com seu ar de ingênua, cheirando o cravo, a pele bronzeada da cor de canela, Gabriela anda descalça e usa vestidos curtos e sensuais. Diverte-se com as crianças e não tem consciência dos efeitos que sua estonteante beleza causa nos homens da cidade. A cena em que Gabriela sobe no telhado de uma casa para resgatar uma pipa é uma das mais marcantes da novela.
Quando vira cozinheira do bar Vezuvio, de propriedade de Nacib, Gabriela aumenta a freguesia do estabelecimento. Especialmente pela presença constante dos homens que se rendem aos seus encantos. Extremamente apaixonado e ciumento, Nacib tenta manter a fidelidade de Gabriela casando-se com ela
Mas, Gabriela tem uma natureza livre e impulsiva. Ao mesmo tempo que seus comportamentos provocam raiva e inveja nas mulheres casadas e solteiras da região, seus anseios e modo de viver semeiam o desejo de libertação da submissão feminina.
A morena alegre e formosa Gabriela foi representada pela expressiva atriz Sonia Braga. O vibrante Armando Bógus, com bigode característico, fez Nacib seu patrão e amante. Paulo Gracindo viveu o temido coronel Ramiro Bastos, fazendeiro de cacau, intendente de Ilhéus, líder conservador e político mais poderoso.
José Wilker era Mundinho Falcão, rico paulista e exportador idealista, que chegou preparado pra enfrentar a antiga política. Fúlvio Stefanini viveu o galanteador Tonico Bastos, filho do Coronel Ramiro, que tinha Angela Leal como Olga Bastos, sua mulher.
Marco Nanini foi o Professor Josué, Ary Fontoura o Doutor Pelópidas, Nívea Maria representou Jerusa Bastos, neta do Coronel Ramiro, Elisabeth Savalla fez a rebelde Malvina Tavares. Eloisa Mafalda foi Maria Machadão, a dona do Bataclan, um cabaré prostíbulo de luxo da cidade, onde Dina Sfat era a favorita Zarolha.
Jayme Barcellos foi o doutor Ezequiel Prado, Maria Fernanda viveu Dona Sinhazinha Guedes Mendonça, Tonico Pereira fez Chico Moleza, o assistente do bar de Nacib, Milton Gonçalves era Filó, Castro Gonzaga o Doutor Amâncio, Marcos Paulo fez o Eng. Rômulo Vieira, Gilberto Martinho foi o Coronel Melk Tavares. E havia outros personagens apaixonantes, captados do romance original Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado.
Impossível não se apaixonar por Gabriela, pelos personagens, cenários e demais ingredientes de uma novela que foi cuidadosamente planejada. Walter George Durst escreveu o roteiro, Walter Avancini e Gonzaga Blota dirigiram o elenco. As filmagens aconteceram numa cidade réplica da litorânea Ilhéus, especialmente construída em Guaratiba, zona oeste do Rio de Janeiro. Os cenários foram baseados nos desenhos do artista plástico Carybé.
Em relação aos recursos de filmagem, o diretor de fotografia optou pelo uso de câmera fixa nas 20 primeiras cenas, caracterizando o tradicionalismo do poder dos coronéis, a relação subserviente de suas mulheres. Após a chegada de Mundinho – que representava modernidade – as câmeras passaram a acompanhar os movimentos dos atores e atrizes, escolhidos a dedo para os seus papéis.
Como bônus aos noveleiros fiéis e mais saudosistas, a novela foi divinamente ilustrada por uma competente trilha sonora, que gerou o disco Gabriela. E traz músicas de Dorival Caymmi, Dori Caymmi, Djavan, João Bosco, Alceu Valença, Moraes Moreira, Geraldo Azevedo, Elomar, Sueli Costa, Walker e Walter Queiroz.
Nota 1 – Esta crônica escrita complementa o podcast do episódio 46 do Canal Semônica, criação de Nando Cury e produção do podcastmais.com.br
Nota 2 – Pesquisa histórica e musical, texto, voz e violão no canto “Alegre Menina” (Dori Caymmi e Jorge Amado) por Nando Cury
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